12 de dez. de 2016

NUD ( Jurandir Bozo e Carmem Roberta Tabêrro)


Modelo Carmem Roberta Tabêrro


Eu quero um nud de seu coração
Mas não vale desenhos
Quero sua carne e seu sangue
Tudo nessa poesia

Quero um nud da sua alma
Cheia de vidas e carmas
Quero a poesia na sua forma mais pura e devassa

Quero a vida e as Carmens
Oscilações e instabilidade

Quero perigo, verdades fabulosas

Quero amenidades profundas 

Uma combinação perfeita da loucura que emana de você 
Quero a erupção seguida da calmaria

Quero seu olhar e seus gemidos
Seu ritmo e sua transpiração

Quero o cheiro da sua pele
O cheiro da sua excitação

Quero o gosto 
Do seu gozo e dos seus sonhos
Para juntos acordarmos
Ate que juntos adormecêssemos 


(Como foi gostoso dividir esse poema com ela... Carmem Roberta Tabêrro, uma estrela em acensão, excitantemente brilhante... Espero entrar-te mais vezes por aqui...)

9 de dez. de 2016

Se te queres matar, porque não te queres matar? (Álvaro de Campos)



Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...

(Alvaro de Campos era um dos heterônimos usados por Fernando Pessoa...)

8 de dez. de 2016

Despretensiosa (Jurandir Bozo)




Ao chegar a meus olhos
Teu sorriso me iluminou
 E foi tão sem querer encontrar a tua luz
Que quase me perdi
De mim... dos meus...
Do que preciso ainda descobrir de ti
Entre as tuas pernas cruzadas,
Teus risos e teus encantos
Um charme quase perdido
Na profundidade do teu olhar
E eu sem certezas
Sem bom dia
Sem diálogos
Sem mais
Respostas e perguntas
Tua beleza
E a ponta de tristeza que vem de te
Assim despretensiosamente
Me rouba os pensamentos
E não me deixa dormir